A Bolex Digital e o novo Mini Cooper
O mundo da cinematografia digital entrou em polvorosa com o anúncio da volta da adorada câmera Bolex 16mm, desta vez em uma versão digital. Realmente, é para mexer com o coração. Porém, aparentemente a nova Bolex tem mais a ver com o novo Mini Cooper do que com a câmera original suíça.
Como assim? Eu explico. O Mini Cooper original, assim como a Bolex original, foi um ícone de sua época. Era um carro barato com uma performance extraordinária. O mesmo com a câmera. Muito bem feita no país famoso pelos relógios e outras máquinas de precisão, a Bolex era barata e confiável.
Do mesmo jeito que o Mini original levou o automobilismo esportivo àqueles menos endinheirados, a Bolex original abriu as portas do cinema para incontáveis produtores independentes. Fast Forward para o século XXI. Com a marca não mais sendo produzida e com uma onda retrô tomando conta do planeta, a BMW resolveu usar o nome Mini, que havia adquirido anteriormente, para lançar uma versão atualizada do carrinho.
Mas o Mini original era inglês… O que a alemã BMW tem a ver com isso? Praticamente nada a não ser pelo uso da marca e do estilo semelhante. Na verdade, o novo Mini é um carro tipicamente alemão e, consequentemente, muito bom. Mas está longe de provocar as emoções causadas pelo Mini original.
O autêntico Mini Cooper inglês
Ou seja, embora seja um ótimo carro, se você acredita que está comprando um autêntico Mini ao adquirir o novo Mini, está comprando gato por lebre. Pois é, o mesmo acontece com a nova Bolex Digital. Desenvolvida por um casal de jovens americanos, sem ter sequer dinheiro para bancar a produção, a nova Bolex não tem absolutamente nada a ver com a câmera original a não ser o visual retrô.
Quando falamos de marcas tradicionais de câmeras, a Arriflex é outra companhia que vem à mente. A Arri foi fundada em Munique, na Alemanha, em 1917. Desde então tem desenvolvido inúmeras câmeras e pode-se dizer que o cinema não seria a mesma coisa sem ela. Hoje a Arri produz a Alexa, fantástica câmera digital que é uma autêntica Arri de corpo e alma. E que utiliza toda a história e experiência da companhia em seu desenho.
A Bolex foi fundada na Suíça em 1927. Em 1970, foi vendida para a Eumig, de Viena, Áustria. Em 1981 a Eumig foi à falência e o nome Bolex foi vendido para um grupo empresarial. Hoje a Bolex Internacional continua consertando câmeras antigas de 16mm e Super 8mm e fabricando câmeras de 16mm e Super 16mm de película para entusiastas. E no site oficial da empresa, não há nenhuma menção da nova Bolex Digital.
A autêntica Bolex 16mm
Ficou com uma pulga atrás da orelha? Pois se prepare que vem outra pulando em sua direção. No, site a empresa afirma que a marca Bolex é registrada e protegida internacionalmente contra o uso indevido. Quer dizer, a Bolex Digital não só não tem absolutamente nada a ver com a câmera original de película como também pode estar usando o nome do fabricante indevidamente.
Dizem eles que têm o aval da Bolex. Mas, então, por que a própria Bolex não financia o projeto? Por que a própria Bolex não está anunciando a câmera? Por que a Bolex não fala nada no próprio site? Por que os engenheiros da Bolex não estão envolvidos? Muito estranho…
Ou seja, um casal de jovens americanos lança o conceito da Bolex Digital na internet para atrair investidores utilizando o nome do famoso fabricante, sem este ter desenhado um único parafuso sequer. Até nomes conhecidos como Phillip Bloom, fascinado pela marca, já encomendaram a sua. Falando em comprar gato por lebre…
Mas, como disse antes, o novo Mini é um excelente carro. E a nova Bolex tem especificações bem interessantes, como você pode ver abaixo.
Resolução: 2048 x 1152 (modo Super 16mm ) + 1920 x 1080 pixels (modo 16mm)
Formato: Adobe Cinema DNG, sequência de imagens em TIFF e JPEG
Resolução de cor: 12 bit – 4:4:4
Tamanho do arquivo: 2 a 3 MB por fotograma em RAW
Sensor: Kodak CCD: 12.85 mm (H) x 9.64 mm (V) – Semelhante ao Super 16mm
Velocidade de filmagem: Até 32 fps em 2K, 60fps em 720p, 90 fps em 480p
Audio: Balanceado, 2 canais, 16 bit, 48 kHz por XLR
Viewfinder: 320×240, 2.4” diagonal, com Focus Assist
Saída de Vídeo: 640 x 480 P&B por conector de ⅛” (HD-SDI disponível em unidade separada)
Entradas e Saídas: ⅛” video, headphone, USB 3.0, Audio XLR (2), XLR 4 pinos
Armazenamento: Dois slots Compact Flash, SSD (drive para o buffer)
Alimentação: Bateria Interna, 12V Externo pelo conector XLR de 4 pinos
Corpo: Aço usinado e plástico rígido
Dimensões (corpo): Aproximadamente 12.3 cm (sem o grip do tipo pistola) por 10.16 cm por 20.32 cm
Lentes: C-mount standard; PL, EF, B4 opcionais
Peso: 2.27 Kg
Sensibilidade: ISO 100, 200, 400
Espera aí… Tem lugar para mais uma pulga? Sensor Kodak CCD? A Kodak, que faliu, acaba de anunciar que colocou à venda suas patentes de sensores digitais! ISO máximo 400? Tá cheirando a sensor velho de câmera digital doméstica… Saída de vídeo em preto e branco em 640×480. Nossa!… É VGA PB! Retrô, mesmo!
Aliás, repare na textura do filme de “demonstração” da câmera (postado, estranhamente, em baixa definição) e veja se te lembra alguma coisa. Algo, assim, como as fotos de família tiradas com a digital de 7 anos atrás… Com as alta luzes estouradas e tudo. Só que com uma boa dose de correção de cor pra disfarçar.
O que é um sensor de 2K? Aproximadamente 2,3 Megapixels? Assim como as câmeras digitais de fotografia de algumas gerações atrás? Cujos sensores ainda eram de CCD e não de CMOS como nas câmeras modernas? Hmmm… E quanto ao armazenamento? Se a Bolex Digital só filma em RAW e armazena em dois cartões Compact Flash, vamos fazer as contas…
Segundo minha calculadora, se cada fotograma em RAW ocupa 3 MB (dados fornecidos pelo fabricante), então um minuto a 24fps ocupa 4,32 GB.Ou seja, 259,2 GB por hora. Haja cartões Compact Flash… E, pelo jeito, eles têm que ser bem rápidos. E pensar que o REDCODE 48 ocupa meros 52.1GB por hora em 2K.
É, parece que temos aqui uma versão cinematográfica digital do famoso conto do vigário. Gente vendendo uma câmera que não existe e com um marca que não lhes pertence. E olha aí embaixo a cara dos “empresários” por trás da Bolex Digital. Você compraria um carro usado deles? A ponte Rio-Niterói, talvez? Ou uma “legítima” Bolex Digital?…
Depois dizem que os chineses é que falsificam tudo. Mas os chineses, coitados, estão é trabalhando duro nas suas próprias câmeras, que não usam nenhum nome famoso dos outros e que podem vir a revolucionar o mercado. E falando de sensores Super 16mm, que tal essa câmera aqui? Pelo menos eles também usam a própria marca.
É, como se diz, nem tudo que reluz é ouro. Muito romântica essa idéia de uma Bolex Digital. Mas seria boa mesmo se a verdadeira Bolex estivesse por trás dela. Essa que estão tentando vender agora na internet pelo site kiskstarter.com, meu caro leitor, eu passo…
Se você deseja saber mais sobre a nova “Bolex” Digital, clique aqui.
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Amigo Paulo, adorei seu texto bem como seu argumento. Agradeço pelas dicas preciosas. Este site compartilha sempre excelentes contribuições para a nossa tumultuada área do audiovisual com tantos formatos, nomemclaturas novas, codecs etc… assim está muito fácil de pessoal ingênuo (como eu, de certa forma) e até mesmo os cobras caírem em qualquer conto. Abração!!
Obrigado, Kleiber. Estamos aqui para isso. Grande abraço.